sexta-feira, 30 de abril de 2010

Aluado

'Não quero filho aluado', broncou o pai sobre o caçula franzino. 'Vá já à igreja e reze cum o Padre Bentinho'. O menino saiu correndo as perninhas de chocolate em direção ao confessionário. 'Sr. Padre Bentinho... eu vim me confessar com o senhor', e ajoelhou-se. De pronto, o padre respondeu: 'Mas de novo você, Francisquinho... O que é que viu agora? Um fantasma? O Bicho-Papão?'. O padre abriu a portinhola, saiu e levantou o pequeno pelas mãos: 'Vamos falar sobre isso aqui fora, sem cerimônias...', disse, sentando-se no banquinho. 'Essas coisas que você diz que vê são coisas que saem de dentro de sua cabecinha. É tudo fruto de sua imaginação'. O menino baixou a cabeça e disse: 'Mas padre... eu vejo minha mãezinha. Ela vem falar comigo sempre que fico triste'. O padre explicou que aquela visão era como uma pintura da saudade. Deu um abraço em Francisquinho e disse: 'Você é um menino de ouro. Vá para casa e reze um tercinho que lhe fará bem'. O menino levantou-se e sorriu com ternura. 'Está bem, padre! Muito obrigada. Ah! Antes que me esqueça! Seu Manoelito lhe mandou lembranças'. O padre arregalou os olhos. 'O que? Seu Manoelito já morreu tem mais de 10 anos, você nem era nascido!', falou em alto e bom tom. 'Mas eu o vi hoje. Ele tem uma verruga aqui, bem grandona...'. Padre Bentinho ficou desconcertado. 'Se manda daqui Francisquinho. E vê se reza um rosário inteirinho!'
Com o tempo, o menino que podia ver e conversar com as almas dos que se foram deixou de ser chamado de aluado. Francisco Cândido Xavier viveu sob uma cortina de desconfiança e de incompreensão. Seria a psicografia fraude ou verdade? Existe reencarnação? Para uns era santo, para outros, louco. A história de um homem não se resume a um filme. Mas Chico Xavier está em cartaz e vale ser visto por todos que puderem. Nem o cinema nem nada neste mundo nos trará respostas sobre o mistério que assola o único mal irremediável do qual não podemos escapar: a morte. Pois a beleza deste filme está justamente em mostrar o que nos cabe fazer enquanto houver vida.
'Vivo uma vida de busca. Busca de paz, de paz interior. A doação faz parte disso. Afinal, posso dizer que ajudo aos outros, acho, desde pequeno'
(Chico Xavier)


quarta-feira, 21 de abril de 2010

Crime e castigo

A mão bate conforme pede o martelo. Martelada! Acordei assim, do sono, do nada. Ninguém é santo, ninguém é anjo e nada é por acaso nesta vida. Nada que lhe venha às mãos, embrulhado em papel de ouro ou alumínio será seu para sempre. Nada neste mundo vem de graça. Nada. A não ser que você seja merecedor dela. Esta coisa de graça é para poucos. Requer trabalho de décadas e merecimento de vidas. Enquanto isso, o que cruza o nosso caminho e finge que nos chega por alguma razão ou desrazão é quase sempre uma bela porção de nada. Passa. Escorre por nossas mãos e se perde, enquanto perdemos o controle daquilo que chamamos vida. Acreditamos ser donos de tantas coisas que não nos pertencem, defendemos nossas ilusões com unhas e dentes, acreditamos, brigamos, nos apegamos e colocamos gente em patamar que só Nosso Senhor ocuparia. No fim do dia, da aquela azia na alma. A gente é tão pequeno e ainda assim, tão indigesto. Esta noite enquanto dormia tranquila, num sono pesado de doer, um mosquito colou na minha orelha e gritou: 'Acorda diabo!` . Abri os olhos e ele estava lá, me olhando feito um zumbi: `Eu vou ficar aqui até você me ouvir. Há. Há. Há.'. Pegou um triângulo e começou a cantar `eu sou a mosca que pousou em sua sopa...`. Não durou muito. Com a precisão que só a raiva traz ao ser humano, matei o inseto num único tapa'. Pá! Crime e castigo. Matados o sono, o mosquito e a paz que reinava sobre a minha consciência adormecida, a insônia entra em meu quarto vestida de vermelho. Escrevo impressões sobre a miséria humana. Estou cansada. Peço a ela que me dê um colo. Um carinho. Que segure em minha mão e que me diga que nem tudo é ilusão. 'A lógica do mundo é hostil, querida. Deixe disso agora e venha se deitar comigo'.