domingo, 21 de março de 2010

Cabeça de ovo, Cabeça de mulher

Sentada na praia, de costas para o sol, apagava o último cigarro da minha vida. Mentira. Até o fim daquele domingo fumaria mais de um maço e meio. Também tragando sua digna bituca, com um saco de latinhas na lomba, passou um pobre coitado morrendo de dores: 'Mulher só dá dor de cabeça. Já é um problema quando nasce... quando cresce então...'
Fiquei pensando que tipo de desilusão amorosa sofrera aquele mero mortal. Por que maldizia o nome daquela mulher? Por que sentia que seu coração estava tão ou mais amassado do que aquelas latinhas que recolhia? Jamais saberei. O fato é que em poucos minutos o homem sumiu, arrastando seu corpo bêbado, cansado de sol e de falta de sorte. Fiquei pensando naquela frase. 'Acho que vou tatuá-la nas costas...' Olhei ao redor e decidi investigar todas as mulheres que estavam por ali. A começar por mim mesma... Estava de biquini, bebendo cerveja, de frente para o mar enquanto o homem passava o domingão trabalhando para ter o que dar de comer para uma mulher que só lhe dava problemas. Mulheres são problemáticas... É o que posso dizer sobre mim mesma. Eu que gosto tanto de vinho, por exemplo, preciso sempre ter um homem ao meu lado para abrir a garrafa por pura falta de capacitação. Eu, o sol, o vinho, a preguiça e o amor. Não é difícil ser mulher? Sei lá. Dentre todas as meninas bronzeadas, as velhotas, as mamães e as pequeninas de fralda que se tornariam um grande problema assim que crescessem, me peguei voltando os olhos para um rapaz. Aquele homem deitado no chão, com a cabeça apoiada num violão e um tanquinho esculpido por Aleijadinho era bem que bonitinho. Que tipo de problemas aquele rapaz viria em mim? Quanto tempo teria até que ele saisse por aí bradando ao vento minha incapacidade não apenas de abrir uma mera garrafa de vinho, mas de amá-lo da maneira que ele esperava? Quanto tempo ele seria capaz de conviver com tantas de minhas indagações? 'A inquietação pode ser uma virtude, mas para os mais quietos ou os mais estáveis de pensamentos pode ser um porre desgraçado', pensei enquanto abria outra lata de cerveja. 'Ai que delícia...' Depois de tomar um gole gelado da água loura e benta, saquei outro cigarrinho light da bolsa. Cigarro light é brincadeira, né? 'Vamos ter um câncer light querida...Sem gordura trans e com zero caloria'. Me senti uma perfeita idiota quando fui acender meu Marlboro, não pelos possíveis danos à saúde, mas pela dificuldade de acendê-lo. Dou um giro de 360 graus e não descubro para onde vai o vento. Meus fósforos acabam. Preciso de um homem para resolver meu probleminha. Olhei para aquele mesmo rapaz novamente. Ele continuava deitado, mas desta vez, também estava fumando e olhando para mim. 'Conheço este cara de algum lugar...' Levantei-me, toda prosa, e caminhei elegante como um ganso em direção ao magrelinho charmosão. 'Oi, você pode me fazer um favor? Me empresta o isqueiro?'. Ele levantou, tirou o isqueiro do bolso, e me acendeu o cigarro sem nenhuma dificuldade. 'De primeira hein? Obrigada! '. Estava indo embora quando perguntei 'Ei! Você acha que tenho cara de problemática? Digo, de uma dessas mulheres cheias de problemas...'. Ele me olhou de um jeito muito íntimo, como se me conhecesse desde sempre e sorriu. 'Você é estranha, né?'. Ofendida, respondi na lata: 'Sou. Mas você também é. Fica aí, me olhando e dizendo coisas a meu respeito como se me conhecesse há anos...'. Ele levantou o corpo esguio e prático, como deve ser um homem, e disse: 'Olha, não quero arrumar encrenca, mas só disse que te achava estranha porque você me perguntou. Para seu governo, meu nome é Cabeça de Ovo, o seu nome é Lucy, frequentamos a mesma praia desde pequenos e brincávamos de bola e de guerra de areia até uns treze anos de idade'. Fiquei embasbacada. 'Nossa, como você cresceu! Sabia que te conhecia de algum lugar, Cabeção! E ainda tem coragem de me chamar de estranha?! Nossa, você está muito alto!'. Cabeça de Ovo, que já não era mais um menino qualquer, olhou dentro dos meus olhos como nunca um homem jamais havia me encarado antes antes:'Mas você é estranha'. Aqueles olhos pretos me meteram mais medo que um raio de sol...Fiquei em silêncio. 'Ainda não me acostumei com seu corpo, com sua cara... Você lembra quando a gente era criança e viu uma lagarta enorme listrada, toda colorida? A gente ficou olhando e olhando aquele bicho durante um tempão, lembra?' Lembrei-me e disse que sim, sorrindo com os olhos. 'Ainda não me acostumei com sua cara, com seu corpo... Você é como a lagarta listrada, Lucy. Você é engraçada... Você é louca!'. Comecei a chorar. Cabeça de Ovo me abraçou e fez com que me sentasse ao seu lado. Enxugou minhas lágrimas e disse: 'Uma mulher sem problemas e sem um quê de estranheza é tão desinteressante quanto um saco de latas vazias e amassadas'. Cabeça de Ovo pegou o violão e, em versos, lembrou do tempo bom que vivemos juntos....e que por pura insanidade eu havia esquecido...

Um comentário:

Taguinha disse...

Apenas para registrar, este texto foi escrito a quatro mãos e duas cabeças 13.